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domingo, 29 de maio de 2011

Salyut-6 e os Et-s

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“No dia 18 de junho de 1981, o Gosplan convocou uma reunião extraordinária, com a presença de especialistas em UFOs, cosmonautas e autoridades soviéticas, inclusive militares. Seu moderador foi o próprio chefe do programa espacial soviético, General Georgi Timofeevict Beregovoy. Ao seu lado estava Vladimir Kovalyonok [transliterado também como Kovalenok], o cosmonauta que, em companhia de Viktor Savinikh [Savinykh], permanecera 77 dias no espaço, a bordo da estação Salyut-6. … A revelação que fizeram foi de aturdir o mundo. Trata-se simplesmente da história de um contato de 2º grau – que só não foi de 3º porque o comando da missão terra, instruiu: NYET. A Salyut-6 fez contato com uma nave extraterrestre durante 4 dias (com interrupções) e orbitaram juntas, a uma distância de 400 km de nosso planeta. O evento envolveu cinco astronautas : Kovalyonok, Savinikh e três ETs a bordo do veículo desconhecido que tinha a forma de uma esfera”. [Revista Manchete de 24 de setembro de 1984]

É uma história de contato sensacional. Ela se estende na forma como os cosmonautas soviéticos estabeleceram contato com as inteligências extraterrestres, tentando inicialmente flashes de sua lanterna em código Morse, mas só conseguindo sucesso com uma suposta mensagem matemática. Há ainda os detalhes da descrição física dos ETs – essencialmente seres humanos, ou “parecidos com seres humanos”:

”usavam capacetes leves, tipo capuzes apertados. … Eles tinham sobrancelhas compridas e grossas e narizes retos, dignos de estátuas gregas. O que mais impressionou os cosmonautas foram os olhos – enormes, azuis, duas vezes maiores que os nossos- fixos neles, sem mostrar o menos sinal de emoção. Os traços eram bonitos, muito morenos. Eles lembravam homens hindus solenes. Mas nenhum músculo se mexia nos seus rostos. Tinham um ar de robôs”.

Conseguir enxergar o tamanho e a cor dos olhos de extraterrestres durante um contato em órbita da Terra é algo fantástico. O detalhe de que tudo ainda teria sido fartamente fotografado e mesmo filmado pelos cosmonautas, e que os registros teriam sido exibidos às mais de 200 pessoas presentes na reunião no ministério soviético, estando guardados hoje em algum arquivo ultra-secreto, sem dúvida ajuda a alimentar o interesse pela história.

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A má notícia é que é um conto tão sensacional simplesmente porque foi inventado por um tablóide sensacionalista.

O que dizem os pesquisadores OVNI russos, e o que dizem os próprios envolvidos, Beregovoy, Kovalyonok e Savinikh a respeito de tudo isso?

Negativas

Encontrei o principal esclarecimento à história do contato da Salyut-6 na pesquisa de Boris Shurinov, que critica as fantasias divulgadas no ocidente sobre casos em seu país. Quando o caso foi notícia, um periódico de Moscou questionou Georgi Beregovoi sobre todo o assunto. Sua resposta:

“Certa vez tentei investigar o tema por mim mesmo. Li em um pequeno jornal ucraniano onde diziam sobre meus contatos com representantes de civilizações extraterrestres. e um filme que eu teria mostrado a membros do Politburo. Queria saber de onde tudo aquilo tinha vindo, e descobri que era uma reprodução de um artigo publicado em um jornal da Ásia Central que por sua vez havia usado um artigo do estrangeiro. Este é o grau de autenticidade dessa informação”.

Também consultei o pesquisador russo Mikhail Gershtein, que comentou:

“No documentário ‘V Poiskah Prisheltzev’ (‘Em Busca de Extraterrestres’, 1988, em russo), o produtor mostrou um recorte de jornal do ‘National Enquirer’ [com a história] ao cosmonauta Viktor Savinikh e traduziu algumas partes dela. Savinikh declarou que era mentira pura: ‘Eles [os criadores dessa história] nos fazem de bobos, os leitores, a seu bel-prazer…”.

Mentira pura. E quanto à testemunha que resta, de fato a mais citada, Kovalionok?

Confirmação?

Curiosamente há um núcleo de verdade na lenda do contato da Salyut-6. “Eu vi um objeto”, contou Kovalionok em uma entrevista a Giorgio Bongiovanni, presenciada por Shurinov.

“De fato era diferente daqueles que vi pelo cosmos: espaçonaves, estações orbitais. Era um corpo de forma ovóide. Em sua frente estava algo que lembrava um sólido de revolução, um cone”.

Kovalionok confirmaria seu avistamento em outras ocasiões, como em 2002 e 2004, chegando a traçar mesmo um esboço do objeto que teria visto:

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“O caso de que você me pergunta aconteceu em 5 de maio de 1981, por volta das 6 horas da tarde, durante a missão Salyut. … Eu havia acabado de fazer exercícios de ginástica, quanto vi em minha frente, pela portinhola, um objeto que não podia explicar. O objeto tinha o tamanho de um dedo. Fiquei surpreso em ver que era um objeto em órbita. É impossível determinar o tamanho e distância de um objeto no espaço, por isso não posso dizer que tamanho de fato tinha. Savinikh se preparou para capturar uma foto dele, mas o OVNI subitamente explodiu. Apenas nuvens de fumaça sobraram. O objeto se dividiu em duas peças interligadas, lembrando um peso de ginástica”.

Algo muito diferente da lenda de contato por quatro dias com extraterrestres de narizes retos. Em outras declarações Kovalionok deixa mais claro que o evento durou alguns minutos, o que explica por que nenhum registro pôde ser feito do que teriam visto. O tão desejado filme não existe.

“A imprensa soviética noticiou o evento amplamente. Jornais e revistas soviéticos publicaram muitos artigos e mensagens sobre ele”, contou ainda Kovalenok, “mas eram principalmente artigos críticos”.

Como o avistamento por alguns minutos de algo que os cosmonautas mal puderam descrever se transformou em um extenso relato a respeito de uma esfera com metade do tamanho da estação espacial e o contato com extraterrestres de capacete, código Morse e tanto mais?

National Enquirer e Henry Gris

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Lembre-se de que Beregovoi comentou que ao ler sobre a fantástica lenda em um jornal ucraniano, descobriu que a fonte era um jornal estrangeiro. Lembre-se de que foi mostrado a Savinikh um recorte do National Enquirer com a história. Resulta que a única e primeira fonte a respeito da suposta conferência no Gosplan, com todos os detalhes sobre o contato, é mesmo o National Enquirer, um tablóide americano hoje mais dado a fofocas de celebridades, mas que à época apostava suas fichas na ufologia e histórias fantasiosas sobre extraterrestres.

Contos de alienígenas “por trás da cortina de ferro” enviadas por seus correspondentes especiais, entre eles Henry Gris, sempre cobertas pelo suposto sigilo soviético eram um grande filão.

Foi em um artigo de Gris, que comentava ser “o primeiro jornalista a trazer esta notícia ao ocidente” que o singelo e rápido avistamento de Kovalenok e Savinikh se transformaria na lenda que rodou o mundo, e ironicamente, retornou mesmo a Rússia. Tudo que você leu, pela rede, seja na revista Manchete, em publicações sobre discos voadores no Brasil ou em outras línguas é apenas uma versão da nota original de Gris para o tablóide americano.

E qual seria a fonte de Gris para tão bombástica história?

“Tenho que me referir apenas ao que me disse, por sua parte, a fonte a qual não posso revelar o nome nem apelido, mas que certamente é muito confiável. Posso dizer que, na conferência em Moscou, ela foi convidada”.

Gris diz confiar em sua testemunha sem nome, mas devemos confiar em Gris? O próprio boletim MUFON de março de 1983, reproduzindo com permissão um artigo do pesquisador sueco Anders Liljegren sobre as bombásticas histórias de OVNIs na URSS publicadas pelo Enquirer recomendava que “pesquisadores OVNI devem jogar suas edições do National Enquirer nas profundidade de suas lixeiras”. Liljegren havia notado como a história publicada pelo Enquirer, “Navios Soviéticos Atacados por OVNIs do Fundo do Mar” não possuía qualquer dado verificável, com exceção do nome do navio que, quando checado, seria em verdade um cargueiro com capacidade diferente da informada e construído na Alemanha Ocidental. Já “Alienígenas Espaciais Atiram em Patrulheiros de Floresta com Raio Bizarro”, segundo Liljegren, descrevia um suposto caso com a mesma data e detalhes quase idênticos ao de um outro caso divulgado anos antes na Finlândia. “Temos toda razão para acreditar que este é um relato forjado”, indicou Liljegren.

Se isso não foi suficiente, que tal a história do bebê alienígena mantido vivo por cientistas russos? Publicada no mesmo ano de 1983 pelo mesmo National Enquirer, e assinada pelo mesmo Henry Gris, ela descreve como:

“Por mais de dois meses uma fantástica criança de outro planeta viveu, respirou, comeu e dormiu sob os olhos atentos de doutores soviéticos, dizem cientistas russos. O pequeno garoto de olhos roxos, com dedos palmeados – o único sobrevivente de um feroz acidente OVNI – finalmente morreu em 3 de outubro de infecção generalizada”.

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[National Enquirer, 22 de novembro de 1983, via
NICAP]

Como no caso da Salyut-6, os intrépidos jornalistas americanos na União Soviética dizem que conseguiram todos os detalhes da história exclusiva através de suas fontes anônimas, “temerosas de retaliação governamental, só concordaram em falar com a condição de que seus nomes não fossem revelados”.

Mesmo esta inacreditável e inverificável história do bebê espacial de olhos roxos mantido vivo por soviéticos foi levada a sério por alguns, e é citada em um livro sobre o tema no Brasil. Deve estar contudo claro que uma profusão de histórias com detalhes inacreditáveis supostamente vindas do outro lado da cortina de ferro, tendo como fonte única o tablóide National Enquirer através de fontes anônimas, obedecem a um padrão.

E o padrão possui muito pouca credibilidade. Os detalhes extraordinários do suposto contato da Salyut-6 pertencem a este padrão.

Peças restantes

Houve de fato um avistamento em maio de 1981 testemunhado pelos cosmonautas Kovalionok e Savinikh a bordo da estação espacial soviética Salyut-6. O evento durou alguns minutos, e não foi registrado em fotografias ou filmes. A história transpiraria na imprensa soviética, e a partir dela, correspondentes americanos de um tablóide que à época lucrava com as mais fantásticas histórias de discos voadores e extraterrestres, fossem elas verdadeiras ou não, adicionariam os detalhes próprios de um tablóide, inventando uma conferência e um filme que jamais existiram. Do tablóide a história circularia o mundo, chegando à Europa, Brasil, e fazendo o caminho de volta para a mesma União Soviética, onde foi prontamente negada pelos envolvidos.

Mesmo sem a negativa dos envolvidos, já havia muitos motivos para duvidar da história. Como notado, Beregovoi nunca foi chefe do programa espacial soviético. Chegou a ser diretor do Centro de Treinamento de Cosmonautas, um posto muito diferente e que dificilmente o deixaria em comando de uma hipotética conferência com a maior revelação da história da humanidade a 200 ouvintes, nenhum dos quais veio à tona desde então, além da fonte anônima de Henry Gris. Mesmo os detalhes do contato e comunicação com os extraterrestres não fazem sentido: diz-se que só se obteve uma resposta como um “logaritmo de seu número”, que seria originalmente a sequência 101101 – na base decimal equivalente a 45. Por si só nada disso faz sentido, mas em uma história de ficção, mencionar a matemática como linguagem e misturar termos como logaritmos e sequências binárias soa atraente.

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Nesta breve revisão do caso, não pude obter o testemunho direto de Beregovoi – falecido em 1995 – tampouco de Savinikh, tendo que confiar no trabalho dos pesquisadores russos Shurinov e Gershtein. E a peça intrigante ao caso que resta, certamente, é o que os cosmonautas teriam visto de fato, ainda que não fossem alienígenas de grandes olhos azuis e narizes retos.

Este é todavia um mistério muito menor do que a lenda que o obliterou. Anos antes, a bordo da mesma Salyut-6, cosmonautas também haviam visto OVNIs próximos de sua estação espacial, que, segundo o especialista espacial James Oberg, foram identificados como sacos de dejetos lançados da própria estação. Kovalenok comentou como seu OVNI acompanhava sua órbita, e como não podia estimar seu tamanho e distância. É possível que tivesse se enganado por algo similar, ou mesmo idêntico.

Fosse o que fosse, infelizmente não possuía olhos azuis nem respondeu a seu sinal de “positivo”.

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